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"Após: Relatos de vivência da pós-graduação"

Olá, classe trabalhadora! 

Como sabemos, as universidades públicas são o principal motor do desenvolvimento da ciência brasileira e, apesar dos cortes orçamentários expressivos dos investimentos nas pesquisas que aconteceram nos últimos anos e da falta de reconhecimento das universidades como responsáveis pela investigação científica no País pelos setores governamentais e pela sociedade, a ciência que se desenvolve dentro da universidade pública resiste e continua a duras penas a se desenvolver. É preciso reconhecer a importância da pesquisa e entender que as universidades públicas constituem a melhor solução para o desenvolvimento científico brasileiro. Sabendo disso o Núcleo de Psicologia do Trabalho (NUTRA), com o objetivo de divulgar as pesquisas produzidas no Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Ceará e as experiências dos pesquisadores, entrevistou alguns estudantes da pós-graduação da UFC e divulgaremos essas pesquisas pelo Instagram e pelo blog Vida no Trabalho.

Camila Ribeiro, foi a primeira entrevistada, graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mas que iniciou seus estudos no curso de Psicologia da Universidade Estadual do Ceará em 2016. Atualmente, é pós-graduanda do mestrado em Psicologia na UFC na linha "Subjetividade e Crítica do Contemporâneo", orientada pela Prof. Dra. Mariana Cavalcanti Liberato, é interessada em temas relacionados ao campo de estudos das imagens, produção de subjetividade, Saúde Coletiva, Saúde Mental, Reforma Psiquiátrica, Direitos Humanos, Interseccionalidade e Arte, a partir de referenciais da Esquizoanálise e dos Estudos Decoloniais e Feministas. Além disso, é colaboradora do Projeto de Extensão "PASÁRGADA - Promoção de Arte, Saúde e Garantia de Direitos". 

Explicando sua pesquisa para pessoas fora da Universidade, Camila diz que "Minha pesquisa busca pensar o lugar da arte no cenário atual da saúde mental, investigando as novas relações que se estabelecem entre esta e uma realidade de desmonte dos serviços públicos de assistência à saúde, crise político-econômica e mudanças multissetoriais geradas pela pandemia. Para isso, pretendo acompanhar os usos da arte que ainda resistem em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Geral de Fortaleza, Ceará, de forma a criar um mapa de como se encontram as relações entre cuidado e arte nesse serviço, levando em conta o panorama trazido anteriormente, mas também - e principalmente - a conjuntura fortalezense vigente. Também aspiro, através de intervenções, fortalecer práticas de cuidado com arte no CAPS, seja com usuários, seja com profissionais do serviço."

O que a levou a pesquisar sobre esse tema foi a sua inserção, em 2020, no CAPS Geral IV através de uma extensão do Pasárgada em parceria com o Programa de Educação Tutorial (PET), após isso Camila se apaixonou pelo campo da Saúde Mental e pelas temáticas de luta que o atravessam, como a Reforma Psiquiátrica e a Luta Antimanicomial. Justamente por conta desse projeto, acabou se inserindo no CAPS por meio do Estágio II. A arte, como dispositivo que atravessa a extensão, foi algo que perpassou boa parte das suas práticas em Psicologia. Camila relata também que "Quando submeti meu projeto de mestrado, minha ideia inicial estava ligada aos estudos de imagens, em que eu pretendia analisar, através de oficinas com usuários de um 
CAPS Geral de Fortaleza, o cuidado produzido no encontro entre arte audiovisual e atenção psicossocial. Ao longo do primeiro semestre do mestrado, esse projeto foi mudando, saindo do audiovisual para a fotografia, mas sem nunca sair da questão das imagens e dos seus usos políticos dentro do meu campo de pesquisa. No entanto, ao longo do meu processo na pós-graduação e do meu contato, agora como pesquisadora, com a saúde mental, outras questões foram pedindo passagem e fui sendo chamada para pensar o panorama atual da Reforma Psiquiátrica no Brasil e o lugar da arte em meio a tudo isso. Minha pesquisa nasce então de algo que foi se tornando urgente para mim na medida que fui percebendo as mudanças nas práticas de cuidado em saúde mental, a ambulatorização dos serviços, o desgaste dos profissionais, o incentivo à internação psiquiátrica, entre outras questões. Também veio de um processo de amadurecimento enquanto pesquisadora, assim como de um resgate daquilo que deu sentido para minha prática em psicologia: o cuidado com arte." Ao falar sobre esse processo de amadurecimento, Camila também expõe um ponto muito importante na trajetória de pesquisa que é a possibilidade e a flexibilidade para possíveis mudanças durante os estudos, novas temáticas, novas questões e novas reflexões acerca dos assuntos podem surgir e nem sempre o projeto de pesquisa seguirá uma trajetória linear. 

Sobre a sua experiência na pós-graduação, a pesquisadora garante que está sendo uma experiência muito diferente da graduação, um espaço para desconstrução de muitas coisas, como o "ser" pesquisadora, do fazer pesquisa e de tudo que atravessa essa prática. Esse momento envolve muitas questões, dúvidas e angústias, mas a pesquisadora acredita que tudo isso faz parte do processo. Camila conta que "Quando você entra, você normalmente vem com uma ideia pronta de fazer pesquisa e, muitas vezes, traz conhecimentos fechados na sua cabeça que precisam ser repensados para que sua pesquisa possa fluir e fazer alguma diferença. Se eu pudesse resumir, a pós-graduação tem servido para cutucar, entre outras coisas, o meu ego enquanto sujeito pesquisador. Esse processo de amadurecimento 
e até mesmo de transformação que você passa (se você se permitir) seria um pró dessa experiência. Já um contra, infelizmente, é a situação das bolsas de pesquisa, pois está se empenhando nesse processo sem nenhum tipo de suporte financeiro é desmotivador. Fora isso, vale muito a pena seguir nesse trajeto."

Sobre o que poderia ter sido feito de diferente em sua trajetória até o momento, Camila diz que teria se envolvido mais em pesquisa na graduação e, além disso, teria explorado mais a Psicologia ao invés de ficar presa em saberes e formas de fazer ciência específicos. A pesquisadora diz sentir falta de ter tido outras experiências e entrado em contato com outros sentidos e campos dentro da Psicologia. "Mas nunca é tarde para seguir outros caminhos. No fim da minha graduação e agora no mestrado estou me abrindo mais para outras experiências e conhecimentos e isso tem feito toda a diferença na minha trajetória."

Ao explicar como o mundo do trabalho repercute em sua pesquisa, Camila explica uma das coisas que chamou sua atenção e foi importante para a "virada" de tema da sua pesquisa foi o desgaste físico e psicológico dos profissionais dos CAPS, os quais têm lidado, entre outras coisas, com elevadas exigências de trabalho, baixos salários, falta de recursos, superlotação dos serviços, dificuldades no trabalho em equipe e com a própria fragilidade da rede de assistência à saúde mental, que tem sofrido diversos ataques e desmontes de ordem macropolítica. "Como resultado, a precarização da infraestrutura e dos processos de trabalho desses serviços tem afetado diretamente as práticas de cuidado oferecidas, aumentando a sua vulnerabilidade. Assim, essas questões do mundo do trabalho aparecem diariamente nos serviços substitutivos, de forma que isso deve ser mantido em vista a todo momento na minha pesquisa e foi o que me levou a querer envolver tanto usuários como trabalhadores do CAPS nas minhas intervenções."

A entrevista de Camila se encerra com a sua valiosa dica de veterana, "A minha dica é ser equilibrade, aproveitando tanto projetos de extensão e ensino, como de pesquisa. Você não precisa fazer TUDO e adentrar todos os laboratórios, mas ter pelo menos uma boa experiência em cada eixo desse. E a minha segunda dica seria manter-se aberto. A graduação é também um momento de experimentação. Seguir um só caminho a graduação toda nem sempre significa que você vai seguir aquilo para sempre e quando você mudar de perspectiva, vai sentir falta de alguns conhecimentos e experiências que não conseguiu ter por ter se mantido fechado. Gosta de uma determinada abordagem? Tudo bem, mas não há problema em se envolver em outros projetos e atividades que não partem desse saber. Por algum motivo, a gente trata a graduação como especialização, o que nem sempre é interessante de se fazer. Então minha dica final é essa: não trate a graduação como especialização." 

Esperamos que conhecer um pouco mais dessas pesquisas faça nascer em cada um a vontade de seguir essa trajetória acadêmica ou até buscar formas de reconhecer a relevância desses estudos para a sociedade. 

Até a próxima!

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