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Entrevista com Ricardo Antunes: Precarização no Call Center.

Para quem está acompanhando nossas discussões sobre a precarização aqui no blog, indicamos uma entrevista feita com RicardoAntunes,  no qual ele aborda e comenta sobre o tema deste mês, no ambiente de call center e tecnologias da informação.

ENTREVISTA - Precarização no trabalho virtual do call center e da TI
Escrito por Raquel Casiraghi   
Qua, 15 de Setembro de 2010 10:30

O sociólogo Ricardo Antunes  é um dos organizadores do livro “Infoproletários – degradação real do trabalho virtual”, lançado no ano passado no país. A obra é um raio-x, bastante moderno e crítico, de um dos setores da TI (Tecnologia da Informação) que mais cresce hoje no Brasil: o call center/telemarketing.
Na outra ponta do setor, estão os programadores de software, com melhores salários e mais autonomia. No entanto, o livro mostra que estes trabalhadores também são explorados e, muitos, vivem em um “ilusório empreendedorismo”.

Esta entrevista foi publicada em uma versão editada no Comunicadados impresso de Julho/Agosto. Veja a entrevista na íntegra a seguir. 


Quem são os infoproletários?
 São um contingente crescente de trabalhadores que, em escala global, trabalham com as chamadas tecnologias de informação. São aqueles trabalhadores que estão no circuito do mercado de trabalho, vendem sua força de trabalho e têm como principal instrumental um terminal de computador, um celular ou quaisquer outros equipamentos informacionais que se encontram em grande expansão dentro do mundo do trabalho. Dois exemplos que talvez possam exprimir bem estes infoproletários: de um lado, no topo deste segmento, estão os trabalhadores da indústria de software, que participam do processo de criação de novos programas e acabam entrando no mundo produtivo de serviços. Na base, temos um contingente que cresce intensamente, no Brasil já compreende mais de um milhão de trabalhadores, que são os que atuam nos setores de telemarketing e de call center. Em geral, vivenciam condições de trabalho bastante intensas e freqüentemente precarizadas.

O que caracteriza este segmento do call center?
 Conseguimos constatar, primeiro, que é um trabalho que tem alta taxa de rotatividade; mais de 70% dele é composto por mulheres; tem uma intensificação do trabalho enorme, porque há um controle inclusive do tempo médio de operações - não só do número de telefonemas que são feitos e atendidos pelos trabalhadores como o tempo médio para equacionar um problema. É um trabalho que tem, por um lado, uma herança taylorista/fordista já que o trabalho é prescrito, a trabalhadora praticamente tem tudo decorado; tem um papel que diz o que ela deve responder, como deve falar, a entonação da sua voz. Ao mesmo tempo é um trabalho que sofre também os envolvimentos oriundos da chamada produção toyotista tais como todos os mecanismos são possíveis para que se tente envolver o trabalhador dentro do ideário da empresa.
Quais são os principais prejuízos aos trabalhadores? São vários também. Em primeiro lugar, o telemarketing/ call center é um emprego que tem grande procura porque não exige uma alta qualificação anterior. Para muitas trabalhadoras, o telemarketing é o primeiro emprego. Em verdade, é aquele trabalho que se procura sem ter formação específica. Mas a segunda coisa que nós constatamos também é que, após alguns meses de trabalho, o sofrimento, os adoecimentos, o desgaste são de tal intensidade que o que o trabalhador mais gostaria de fazer é sair deste trabalho. Mas aí se coloca um problema complicado que é "sair deste trabalho pra fazer o quê?". Uma outra conseqüência é que este segmento tem marcado muitos tipos de doenças que decorrem desta intensificação do trabalho. Por exemplo a perda da voz, problemas na audição, estresse em função do freqüente mal trato que as trabalhadoras recebem dos clientes - que por vezes xingam por algum desconforto em relação ao serviço que a empresa oferece. E os trabalhadores sofrem muito com isso porque às vezes os xingamentos são muito pesados. Há um tempo de trabalho intenso de seis horas que permite, em média, 15 minutos para a alimentação, o que é muito pouco. Muitas das empresas não concedem este tempo; dão os 15 minutos, mas depois prolongam a jornada de trabalho para compensar. O tempo utilizado para as trabalhadoras irem ao banheiro também é cronometrado. Outra coisa muito impressionante deste setor é que freqüentemente as trabalhadoras são separadas por “baias”, divisórias para evitar que tenham contato, conversem, que tenham algum momento de sociabilidade cujo trabalho não permite, uma vez que é um trabalho que tem que fazer e atender telefonemas e equacionar problemas num tempo médio intensificado. Não é difícil constatar que este tipo de atividade tem trazido sofrimento, adoecimento - quer corpóreo e psíquico - de muita intensidade.

Todas estas questões que expusestes, que caracterizam o setor, não infringem, de alguma forma, as leis trabalhistas?
 Muitas destas medidas trabalhistas acabam sendo mais ou menos infringidas, dependendo do ramo do setor. Mas é preciso entender também que as leis trabalhistas, em muitos casos são muito generosas para as empresas e muito pouco cuidadosas e zelosas das condições de trabalho. Como é uma jornada com tempo parcial de 6 horas e não de 8 horas, permite muitas vezes este tipo de cobrança aos trabalhadores. E pelo fato de que o telemarketing/ call center é um setor onde predomina uma inexistência de atuação sindical, ou muitas vezes são sindicatos com completa parceria com o patronato, isso faz com que o trabalhador isoladamente não consiga lutar. Porque se ele reivindica algo, no sentido de uma melhoria das condições e de seus direitos, ele pode ser demitido. Há sindicatos que procuram defender os direitos dos trabalhadores, mas predomina com muita freqüência nestas categorias uma inexistência ou uma relativamente débil organização sindical. Tudo isso dificulta muito a luta por um controle dos excessos do trabalho na medida em que isso geralmente é feito pela ação coletiva dos trabalhadores, que as empresas impedem que ocorra dentro do espaço do call center e por isso que estas lutas devem contar com o apoio dos sindicatos. Há vários setores de telemarketing e call center no Brasil cuja atuação sindical é completamente controlada pelas empresas, o que dificulta muito a situação dos trabalhadores.
A expansão do call center, com toda esta precarização já relatada por ti, é uma tendência no atual sistema de produção capitalista? É uma tendência sim, na medida em que o trabalho da tecnologia da informação acaba sendo um elemento muito forte da potencialização do valor. Em outras palavras, da realização ou venda de negócios, do aumento dos lucros; é o modo com que isso se expandiu. Vou dar só um exemplo. Os bancos no passado tinham muitos trabalhadores que trabalhavam nas agências. Nós entrávamos nas agências e encontrávamos os bancários, que faziam as operações. Hoje sabemos que não é mais assim. As agências têm cada vez menos bancários e cada vez mais o trabalho é de digitalização; os trabalhos de compensação são feitos por terceirizados e o call center, ou o setor que, digamos assim atende, que presta os serviços bancários, trabalha dentro dos bancos atendendo clientes se expandem intensamente. Há uma retração de trabalhadores bancários que ficam nas agências e há uma enorme expansão de trabalhadores bancários que atuam dentro dos bancos no setor de telefonia colhendo e municiando os bancos de informações. É uma espécie de trabalho invisibilizado e que as novas pesquisas, como o nosso livro, vem procurando mostrar e dar visibilidade. Este setor de call center tem se expandido intensamente. Até 5 anos atrás, ele era quase a metade disso (atualmente são mais de 1 mi de trabalhadores no Brasil), o que dá a idéia de crescimento e a intensidade, a ampliação deste setor.

Sobre os produtores de software, que estão no topo, como disseste. Existe algum tipo de preconceito deste setor em relação ao call center?
 Não. Como este setor, em geral, é a ponta mais bem sucedida do trabalhador da tecnologia da informação ele, ao contrário do trabalhador de call center, se julga o especialista qualificado. Mas você veja, por exemplo, que na Telecom França, nos últimos dois anos houve 25 ou mais suicídios nesta área de telecomunicações, dado a vários motivos. Por exemplo: o não-cumprimento de metas, projetos que falham, programas de privatização das empresas que disponibilizam planos de demissão voluntária, vários trabalhadores que conseguem pela Justiça voltar ao trabalho e são, digamos, ridicularizados pelas empresas. Embora, na tecnologia da informação haja o que chamei uma vez de “o mito do topo” – embora exista a ilusão de que são os trabalhadores mais bem sucedidos, com melhores salários, melhores possibilidades de crescimento na empresa as pesquisas têm mostrado que também neste segmento a exploração do trabalho é grande. Muitas vezes, a exploração do trabalhador é marcada por traços mais de trabalho intelectual, cognitivo de quem cria os softwares. E com muita freqüência estes setores apresentam também estresse, sofrimento, estranhamento que decorre da exploração do trabalho. Em geral, ele se considera diferenciado e superior ao setor de telemarketing.
Muitos funcionários do setor de TI já trabalham em casa. O que dá para vislumbrar para o futuro?Anteriormente, existiu um projeto da Telefônica da Espanha chamado de projeto-piloto Distrito C, em Madri, onde uma parte significativa destes trabalhadores não trabalhava mais em mesa; eles trabalhavam onde queriam dentro da empresa, circulavam dentro da empresa. Estavam com um netbook e um celular, estes eram os seus instrumentais básicos de trabalho. Podiam trabalhar onde quisessem. E há várias empresas, que sabemos, que utilizam o “home office”, o trabalho assalariado dentro das casas. Evidente que isso, para as empresas, é o melhor dos mundos. Porque pelo sistema de metas, a produção deste trabalhador é medida e controlada rigidamente, ele tem que cumprir a meta. Segundo que, em sua casa, ele trabalha manhã, tarde, noite, madrugada; se trabalha todo o tempo. Terceiro que, ao trabalhar em casa, muitos deles constituem PJ (Pessoa Jurídica), ou seja, não têm um contrato de trabalho que segue regras coletivas. Se o trabalhador adoece, é um problema dele e não é da empresa. Quarto, que é praticamente impossível uma organização coletiva de trabalhadores que trabalham isoladamente cada um por si. Este é o melhor dos mundos para o capital porque não há aquele espaço de sociabilidade, de coletividade, que propicia, que ajuda, que solda o trabalho coletivo. Cada um está em sua casa isolado dos outros. Este é um problema grande para os trabalhadores. Claro que eu compreendo que para muitos trabalhadores estar em casa é melhor do que trabalhar numa empresa por exemplo. Você pode imaginar que não perde uma, duas horas para ir ao trabalho e outra uma, duas horas para voltar do trabalho. E isto significa até quatro horas do dia que não perde no trânsito das grandes metrópoles. Claro que o trabalhador, dentro da sua casa, pode controlar um pouco o tempo e trabalhar nas horas que quiser. Reconheço que há alguns elementos evidentes que são positivos para os trabalhadores. Mas o conjunto de elementos que são positivos para as empresas, que enfraquecem a coletividade do trabalho, são muito maiores e prejudicam, em última instância, os trabalhadores.

Como é que os sindicatos que representam setores da TI podem se preparar para esta nova realidade?
Evidente que não há uma receita porque toda categoria nova herda experiência de organização do passado, mas tem elementos novos. Por exemplo, a trabalhadora de telemarketing/call center não exerce a mesma atividade que a antiga telefonista. É evidente que os sindicatos que tiveram experiência nos setor de telefonia no passado, de telefonia pública, e que estão comprometidos com os trabalhadores, devem fazer um esforço para conseguir compreender esta nova morfologia do trabalho, esta nova forma de ser deste trabalhador. Esta é uma parte importante do proletariado de serviços; é uma parte importante da classe trabalhadora no Brasil e nas grandes capitais e no mundo. Hoje você pede uma informação na Inglaterra, por exemplo, sobre o sistema de trens de uma estação que está a duas, três quadras de onde está falando e este telefone é atendido na Índia por um indiano que responde como se fosse um funcionário da empresa de trem que estivesse a duas quadras da casa do cidadão. Isso obriga os sindicatos a compreenderem quem são esses trabalhadores. A compreenderem que este ramo de trabalho, o telemarketing/ call center, é crescentemente global então é preciso muitas experiências entre sindicatos de vários países. Eles têm que ter uma conexão, uma articulação conjunta porque as empresas geralmente têm. Terceirizadas das grandes companhias atuam em várias partes do mundo e elas sabem como fazer isso. O sindicato também tem que se articular com os sindicatos de outros países para que as respostas possam ser conjuntas. E é preciso também que haja o sentimento da base dos trabalhadores deste ramo, que eles também percebam como nasce um sindicato: da organização de base dos trabalhadores. Mas assim como várias categorias foram criadas ao longo do século 20, aos poucos foram organizando formas de luta e de resistência, também penso que o telemarketing/ call center, embora seja uma categoria recente, já possui algumas experiências e tentativas de avançar na organização de base dentro da representação e entre os trabalhadores.

Livro "Infoproletários - degradação real do trabalho virtual". Editora Boitempo.

 Entrevista encontrada no seguinte site:  http://www.sindppd-rs.org.br .

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