Estudo e trabalho são refúgios para detentas do Ceará
Aulas formais, leitura e trabalho ocupam o tempo das mulheres que cumprem pena no presídio feminino
No cárcere, o estudo e o trabalho podem ser o escape para a solidão e a incerteza sobre quando se irá sair da prisão e o que fazer quando isso acontecer. A educação ocupa a maior parte do dia de 159 mulheres internas do Instituto Penal Feminino Desembargadora Auri Moura Costa, no município de Aquiraz, onde hoje estão 407 detentas.
As aulas seguem o modelo da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e se dividem em quatro turmas específicas: 1º ano, em que as presas são alfabetizadas, EJA I, do 2º ao 4º ano do Ensino Fundamental, EJA II, do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental e EJA Médio, com conteúdo ministrado no Ensino Médio.
Quem decide por estudar no presídio poderá ficar menos tempo na prisão. Isso porque a cada 12 horas de aulas assistidas, é reduzido um dia de pena. Porém, a motivação das presas que estão nas salas de aula vai além desse benefício.
Para Eliane Fernandes Brito, de 30 anos, presa por tráfico há seis meses, essa será uma forma de ajudar os filhos nos estudos, quando sair da prisão. "Eu tinha muita vergonha de não poder ensinar meus filhos. Estudei pouco porque engravidei aos 13 anos e não me interessei mais em estudar", conta.

Além disso, ela já planeja escrever cartas para o marido, que também está preso. "Por eu ser analfabeta, sempre tenho que pedir pra alguém ler as cartas para mim e escrever. Não vejo a hora de poder fazer isso sozinha".
A detenta Elizabeth da Silva, 29 anos também é uma das que encontrou na casa de privação estímulo para voltar aos estudos. "Estudei até a sexta série. Mas depois que eu comecei a usar drogas, quando tinha 10 anos, parei. É uma maneira muito boa de ocupar o tempo aqui dentro e ainda reduz a pena", relembra.
Com os olhos marejados, por pensar nos dois filhos que deixou fora da prisão aos cuidados de uma tia e da avó, Bruna Araújo Rodrigues, de 22 anos, não foi para a escola porque não existe para o Estado. "Nunca fui registrada e por isso não estudei. Meus dois filhos também não estão matriculados porque como eu não tenho registro, eles também não têm. Mas a minha tia está cuidando disso pra mim, com a certidão de óbito da minha mãe", relata.
Apesar de as detentas com nível superior serem minoria, elas fazem diferença não só ao motivarem as outras com menos instrução a estudarem, mas, também, ao liderarem alguns projetos como as rodas de leitura, que acontecem sempre no último sábado de cada mês.
Segundo Luiziane Lopes Cavalcante, detenta responsável pela biblioteca, o acervo tem 5.600 livros, todos doados por instituições particulares. São livros de autoajuda, espíritas, romances, infantis e também técnicos, como os da área do Direito.
Os mais procurados são os de poesia, seguidos dos espíritas. "Mesmo abandonadas pelos companheiros, as mulheres daqui procuram os de poesia para copiarem versos para eles, nas cartas", diz Luiziane.
Na opinião de Luiziane Lopes, que cursou Odontologia e Ciências Ambientais, essa é a melhor forma de ocupar o tempo no presídio. "É o melhor escape para manter a mente saudável", ressalta ela, que atualmente está lendo "Cem Anos de Solidão", do escritor colombiano Gabriel García Marquez.
Mercado
Além do trabalho na fábrica de roupas, Francisca Aurineide Vieira, de 36 anos, única detenta com nível superior, ocupa suas noites com muita leitura. "Sou romântica e adoro os livros espíritas. Mas também leio bastante os de autoajuda e os do pastor Silas Malafaia, que ajudam a entender o real valor das pessoas. Um que me marcou muito e que eu sempre indico para as minhas amigas é o "Samuel Klein e Casas Bahia - uma trajetória de sucesso". Eu queria ser como ele quando saísse daqui", destaca.
Além de Francisca Aurineide e Luiziane Cavalcante, outras quatro mulheres têm nível superior incompleto. No ano passado, a detenta Cynthia Corvello foi aprovada no curso de História da Universidade Federal do Ceará (UFC) e, desde fevereiro, está frequentando as aulas, com escolta e monitoramento eletrônico (tornozeleira).
De acordo com a diretora do Instituto Penal Feminino Desembargadora Auri Moura Costa, Mônica Damasceno, além da escola, as presas ocupam o tempo com trabalho. Na unidade, existe uma fábrica de roupas, uma de pães e um local onde elas fazem artesanato. Quem trabalha, recebe três quartos de um salário mínimo, em geral destinados à família e a cada três dias trabalhados, um dia é abatido da pena. "A maioria das presas tem filhos e o dinheiro vai para o sustento deles", esclarece.
Neste ano, conforme Mônica Damasceno, serão oferecidas às presas 60 vagas de cursos profissionalizantes, como pintura e panificação.
Quem decide estudar no presídio poderá ficar menos tempo na prisão. A cada 12 horas de aulas, é reduzido um dia de pena
KELLY GARCIAREPÓRTER
matéria disponível no site: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1184296
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